segunda-feira, 7 de junho de 2010

Rumores taciturnos - Londrina em linhas noturnas

A rua é o território da noite. Transpor as paredes do quarto e tornar-se mais uma partícula errante no meio do caos. A busca pelo desconhecido, o imprevisto, o absurdo, e a beleza peculiar que emana disto tudo. A frustração de se deparar com o lado decadente disto tudo. O retorno para a casa. Ou os copos transitando entre os cotovelos apoiados no balcão, as vidas insólitas que perambulam na madrugada, as músicas tocadas com violência, o espírito louco da juventude, a dor dos alcoólatras...
Uma infinidade de escritores, poetas, dramaturgos, filósofos e outros pensantes já dedicaram suas linhas à noite e ao seu universo plural, alvo das mais variadas angulações do olhar. Se João do Rio estava certo, este magnetismo noturno é próprio de quem quer conhecer o lado desordenado da vida, uma vez que a alma das ruas, de natureza caótica, só é plenamente sensível a horas tardias.
Em Londrina, não falta à noite a curiosidade dos olhares. Dos grandiosos momentos da Vila Matos, excreção vulcânica de glamour e dor, até os dias de hoje, não faltaram habitantes deste grande palco de encontros e desencontros que é a vida noturna. E nem intérpretes.
A Nossa San Francisco
Dilacerados, confusos, solitários e noturnos. Aos personagens do dramaturgo londrinense Mário Bortolotto os signos da “falta de luzes” são quase sempre imprescindíveis para que eles se apresentem com singular beleza. E ao lado disto a eletricidade própria de uma beat generation, embalada por bebops e porres de vinho. Bortolotto está a meia-distância de um Bukowski e um Jack Kerouac, com fartas doses de cultura pop e devidamente cravado em uma Londrina dos anos 80.
Na obra dele, não raro a noite se apresenta com tanta força que catalisa uma alteração no que seria um sentido, um rumo imaginável, o trajeto natural do habitante noturno. As coisas se apresentam de maneira tal que não mais os corpos e mentes vão de encontro à noite: antes esta é quem ganha uma vida tão intensa que extrapola os limites da sua passividade, ultrapassando os vidros das janelas para se instalar nas concavidades das almas, depositando seu espírito confuso e elegante nos traços psicológicos das personagens.
A noite, que ele conheceu e viveu intensamente em Londrina, é um estado de espírito, e não apenas um cenário. E Bortolotto a via próxima daquela que nos anos 50 e 60 foi palco de importantes manifestações da contra-cultura: San Francisco, EUA. Ele gostava de observar a cidade como portadora desta noite orgânica, que provoca encontros malucos, que propositalmente ateia fogo na pólvora e faz explodir coisas fantásticas.
E de contornos norte-americanos contestadores, Bortolotto traçou o que viveu por aqui. Sua dramaturgia tem a musicalidade de um jazz, de um solo de sax à meia-noite, imbricados em estratégias narrativas que lembram a dos quadrinhos. E tudo isto saído de uma inimaginável infância simples no Jardim do Sol.
Sobre contos ilícitos
Mais do que vivências que incitam o mistério, a solidão ou o entorpecimento, a noite londrinense também traçou seu enredo. No corrimão das escadas escuras, nos ladrilhos ofuscados pela meia luz da noite, nos olhares furtivos envoltos em névoa ou na música, gritos e orgias silenciadas nos meandros que é a escuridão da história.

Os personagens de “Londrinenses” perambulam por entre os vãos caóticos da moralidade desde a década de 30 até os anos 80. No submundo da hipocrisia dos quartos, praças aos salões de festas da society local, esses corpos adquiriram vida no fino trato de Maurício Arruda Mendonça.

E o que a ficção sugere está devidamente inscrito no estudo minucioso do historiador Edson Holtz Leme, em “Noites Ilícitas”. Nele estão as vozes, manchetes, depoimentos e imagens que ajudam a tirar o borrão que cobre deliberadamente a história da prostituição em Londrina.
Noites regadas a muito jogo, prazeres, dinheiro, álcool e crimes conjugais. Para a elite, hábitos indigestos. Para as inúmeras casas e boates, uma maneira de agradar a clientela. Sim, o crescimento da cidade atraiu todos os vícios. Os jornais da época (por volta dos anos 50), sem estimativas oficiais, calculavam que havia mais de 5000 prostitutas na cidade.

Fora aquelas, que como a bela Nilza, do conto “O homem do pijama”, vinham nos aviões da Real Aerovias e da Vasp, conhecidos como “balaios das putas”. Contratadas pelos cabarés da cidade, elas ficavam um curto período e eram disputadas desde o aeroporto.

Poucos envolvidos no vai e vem de gente e ônibus que rodam o círculo de concreto onde hoje é a rodoviária imagina que ali funcionava o famoso gueto da obscenidade: a Vila Matos. Lugar escolhido para abrigar um sem número de prostíbulos e boates que manchavam a cidade. E que depois, foi finalmente demolida física e historicamente.

Os recônditos da noite também estão nas vielas imundas e sufocadas da memória. Mas as dúvidas, risadas e dor dos personagens reais e fictícios ainda ecoam sentidas na lassidão da noite londrinense.

Felipe Melhado
Marcia Malcher
Fotos: Pablo H. Blanco 

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