domingo, 2 de maio de 2010

Um conto por uma idéia

Ainda na gestão Barbosa Neto, o Promic se revela como o principal meio centralizador das diretrizes culturais em Londrina

As eleições do ano passado causaram alvoroço em relação ao que mudaria ou não na nova gestão municipal. Na cultura, o grande medo era quanto ao Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PROMIC), que se tornou pilar decisivo para as diretrizes culturais da cidade no período de um ano (prazo para a abertura de novo edital).

É simples: a lista dos aprovados a cada ano já nos fornece uma boa visão dos espetáculos, festivais e atrações culturais que acontecerão durante o ano. Publicado, o edital é uma agenda e também um índice dos rumos da produção londrinense.

O fato é que a extinção do Promic depois da saída de Nedson Micheleti (PT - 2001-2008), sequer foi cogitada pela gestão do novo prefeito Barbosa Neto (PDT). O programa, que existe desde 1993, parece que já se consolidou como meio de aprovação da verba pública destinada à cultura, além de que o seu cancelamento não seria aceito sem transtornos pela opinião pública.

No primeiro edital do programa deste ano, devido a inadequações e erros de documentação, poucos projetos foram aprovados: apenas 27, dos quais 17 estavam na categoria independentes (de 129 inscritos) e 10 na categoria estratégicos (de 18). A Secretaria Municipal de Cultura resolveu, então, abrir um novo edital em janeiro.

Foram R$ 950 mil destinados aos independentes e R$ 600 mil para os estratégicos, um total de R$ 1.550.000,00, além dos R$ 280 mil reservados para as Vilas Culturais. Se considerarmos apenas os projetos estratégicos e independentes, e compararmos o investimento de R$ 1.499.945,16 em disponível o ano passado, o investimento cresceu em R$50.000,00, ou cerca de 3%.

Enfrentar a grande fila de entrega dos projetos não garantiu a aprovação para a enorme maioria dos proponentes, no entanto. Quase 130 ideias não passaram pelo pente-fino. Alguns dos reprovados já sabem exatamente o que fazer: esperar pelo próximo edital para reescrever o projeto, readequar a proposta e tentar mais uma vez. A dependência do Promic faz com que muitas boas ideias não encontrem veredas.

O “andar com as próprias pernas” dá a impressão de ser o conceito de um novo tipo de incentivo da Secretaria de Cultura, que apareceu timidamente neste ano, mas que pode ser o sintoma de uma tendência. O corte de verbas para o carnaval londrinense foi justificado pelo secretário Leonardo Ramos como uma ajuda (mesmo que às avessas), que quer ver a festa popular sobrevivendo de outras formas, “livre” da Prefeitura.

Os carnavalescos reclamaram, que também a dificuldade não é pouca. Os produtores taxam “insensível” a iniciativa privada, não enxergam caminhos alternativos a percorrer, e as ideias morrem, caem no esquecimento, na preguiça ou na acomodação.

Outra parte dos reprovados, menor, não contém a inquietação e engendra maneiras próprias de ver o projeto ser realizado.

O primeiro romance escrito e publicado em Londrina em 1959, quando a cidade completava seus 25 anos, chama-se “Escândalos da província”. O título, não por acaso, revelava o que se escondia por trás do enredo: o autor, Edson Mashio, um dos jornalistas mais antigos da cidade, hoje com 76 anos, resolveu ficcionar personagens reais da Londrina próspera do tempo do café. Em um período de festas, comemorações e de “eleição dos vencedores”, ele escreveu sobre as negociatas, os escândalos privados e o lado obscuro do progresso. A sociedade da época se sentiu incomodada e, gentilmente, obrigou Maschio a passar um período afastado da cidade.

50 anos depois, o jornalista Tony Hara percebeu a necessidade de relançar a obra, nunca re-editada, e que na época teve apenas 2 mil exemplares. Inscreveu a ideia no Promic. O projeto previa ainda uma grande entrevista com o escritor e um novo prefácio. A verba necessária estaria em torno de 15 mil reais.

Sem Escândalos. O projeto não passou e Tony Hara lamentou, explicando que houve um equívoco com a documentação necessária para a inscrição. Encontrou uma saída: “O Paulo de Tarso, que fez o mestrado dele sobre o ‘Escândalos da Província’ se dispôs a digitar o texto e disponibilizar o conteúdo na internet”, conta. O arquivo digital foi a alternativa encontrada pelo grupo para viabilizar a idéia.

A Cia. Teatro de Garagem também carrega no nome a marca de sua intenção original. Fazer teatro por conta própria, independendo de incentivos, produzindo como possível, buscando vias menos seguras de trilhar. O diretor, Everton Bonfim, diz que é necessário ter um tipo de criatividade, que recicle, reutilize, incorpore, dome as contingências. O grupo se consolidou, e os espetáculos do seu `Curso Livre de Teatro` tiveram boa aceitação sem patrocínio.

No entanto, outros espetáculos da Cia. já foram aprovados pelo Promic. Um em 2008 e em 2009. Para este ano, Everton pretendia aprovar a montagem de “Em Busca de Suas Criaturas”. Não conseguiu, mas pretende montá-lo mesmo assim. “A gente sempre fez. Na verdade, a gente foi reconhecido por causa disso, de fazer sem”, conta. “Agora, é claro que é muito mais fácil se você tem um patrocínio, porque você consegue colocar em prática as ideias reais que você tem”.

A questão que se coloca não é mais a insegurança em relação ao Promic, mas a falta de outras opções de incentivo à cultura na cidade. Os 147 número inscritos no PROMIC nesse ano, revela que Londrina apresenta um alto potencial para iniciativas culturais que dependem do financiamento público.

Tony Hara também comenta ser intrigante o fato de festivais já consolidados na cidade, como o FILO, não conseguirem financiamento privado e serem obrigados a depender do PROMIC. O que, invariavelmente, acaba restringindo ou direcionando o investimento do programa.

O desafio fica nas mãos da atual gestão: que tipo de mecanismos é possível criar para dar forma à verve cultural da cidade e ao mesmo tempo garantir a sua independência da verba pública?

Felipe Melhado 
Márcia Malcher
Maria Clara Martins

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