quinta-feira, 18 de março de 2010

É religião?


Um grupo de teatro de Porto Alegre veio pra Londrina nesta semana: Óia Nois Aqui Traveiz. Na última terça apresentaram no calçadão o espetáculo “O Santo Amargo da Purificação”, que conta a história do mítico revolucionário brasileiro Carlos Marighella.

Às 16h40 em frente ao Banco do Brasil, fizeram o que estão acostumados a fazer. Enfrentaram o caótico fluxo humano dos afazeres, desbravaram o intenso trânsito cotidiano do dia de semana para buscar um espaço para a arte.

As vozes nuas do espetáculo musical brigavam com as gargantas amplificadas dos locutores das lojas de departamento. Alguns transeuntes lançavam olhares curiosos, que não estavam encantados com o teatro, como preferiram contar os telejornais. Eram mais sensatos do que isso. Peguntavam: o que faz a arte que quer roubar o ar dos anúncios da linha branca da Prosdócimo?

Uma dessas pessoas tinha uns 60 anos e ocultava a maior parte do corpo com um vestido longo, florido, azul e branco.

- Mas me explica o que que representa isso aí. É religião?

- É teatro de rua.

A mudez fez alguém insistir: “É igual teatro, só que na rua”.


Foi lá pra frente e deve ter assistido a peça por uns 10 minutos, no máximo. Voltou:

- Eles são fedidos! Não gosto deles!
- E do que é que você gosta? - perguntei.
- Eu gosto de um teatro mais saudável, que envolve mesmo, sabe? E eu sei que existe! – disse enfática – Existe porque eu estudo e sei que tem.

Como desmerecer a iniciativa da “tribo de atuadores” gaúchos, que se dedicam ao teatro de rua com tanto talento, técnica e pesquisa? Não se trata de falta de reflexão a respeito por parte dos produtores. Não é uma ingenuidade daquelas que pretendem levar o teatro “para o povo”. É nobre a iniciativa de traduzir de uma maneira formalmente inovadora uma importante e desconhecida História brasileira.

Pra mim, que ficou assistindo de longe e não conseguiu acompanhar com propriedade o desenrolar da narrativa, esta é uma das reflexões que cabem: como fazer com que a arte faça parte da vida das pessoas que não têm tempo para ela? Ocupar um espaço de trânsito, cuja finalidade não é a fruição cultural, infelizmente não parece ser a maneira. Há algo de romântico e até populista em fazer com que a “a arte vá até o povo”. Mas qual é a eficácia disso? Quantas pessoas foram tocadas pelo arrebatador poder da arte naquela tarde? Pra que serve a arte sem que isto ocorra?

Cabem também outras perguntas: como é que se desperta o interesse por alguém pela arte? É necessário fazer isto?

E, me perdoem, mas não sou capaz de apresentar respostas por enquanto.

- Me dá um cigarro? - pediu a senhora do teatro saudável – Eu sou crente mas eu fumo.

Às vezes, a maior sensatez vem da boca do absurdo.


Felipe Melhado

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